sexta-feira, 26 de novembro de 2010

d´Arte - Conversas na Galeria IX

[Postado por A.Tapadinhas]


Convite para um café Autor António Tapadinhas
Óleo sobre tela 80x100cm

Esta tela está em Zambujeira do Mar, num monte alentejano que pertence a um grande amigo meu. Está lá, porque foi a prenda de anos que a sua mulher lhe ofereceu.
De vez em quando, passo uns dias no monte para fazermos grandes (ás vezes pequenas, mas não é o mais importante) pescarias na foz do rio Mira, ou nas praias da costa alentejana.
No monte, sento-me numa cadeira com fundo de palha, semelhante à que tenho na tela, frente a frente, separados por uma mesa. Sinto que aquele lugar na cadeira, não está vazio: Vincent Van Gogh ocupa-o. E eu vejo-o lá: os seus cabelos e barba vermelhos, o seu rosto anguloso com rugas bem vincadas e, sobretudo, os seus penetrantes olhos verdes a dizer-me... não me atrevo a dizer o quê...

domingo, 21 de novembro de 2010

d´Arte - Conversas na Galeria VIII

[Postado por A.Tapadinhas]


Muro dos Bacalhoeiros - Porto Autor António Tapadinhas
Óleo sobre Tela 64x54cm

O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo.Agustina Bessa-Luís

Há uma certa tendência para considerar a nossa cidade, a nossa terra, a nossa rua como o centro do Universo, o local mais... mais... umbilicus mundi. Eu não dizia que o melhor do Porto era a auto-estrada para Lisboa mas, para ser sincero, esta cidade não me entusiasmava especialmente.
Até que...
Comecei a pintar e um dia fui ao Porto, para ver uma exposição na Fundação de Serralves. A exposição chamava-se Amadeo Sousa-Cardoso/Piet Mondrian, em que se apresentava o diálogo entre dois pintores que, apesar de nunca se terem conhecido, tiveram um percurso muito semelhante, abandonando o seu país natal para viver em Paris, a cidade onde se concentravam os movimentos vanguardistas da sua época.
Cheguei de manhã, bem cedo e resolvi passar pela Ribeira. Disse Aquilino:
“Este trecho do Porto com fragatas a chocalhar contra o cais, a selva de mastros, o mercado de galinhas, truculências, aleijões, uma mulher que mostra a perna monstruosa com elefantíase, tísicos de tigela à banda, lembra as velhas cidades hanseáticas com todo o seu tropo-galhopo de coisas”.
E depois as casas carregadas de janelas/olhos, cores/lantejoulas, pedras/musgo... e depois o rio Douro... e depois os barcos rabelo... meu Deus, não tinha olhos, ouvidos, nariz, cérebro, rolos de máquina fotográfica, para guardar tudo o que me cercava... mas tudo me ficou agarrado à pele como a tinta indelével duma tatuagem.
Da minha vertigem pela Ribeira do Porto, resultou uma das telas de que mais gosto, e que por isso continua em minha casa: esta que mostra o Muro dos Bacalhoeiros.
É uma obra em que utilizei cores fortes, com as suas complementares bem próximas, para salientar a força que emana daquelas pedras. Não satisfeito com o resultado obtido, procurei reforçar essa sensação com a mistura de areia na tinta, criando o aspecto rude e rústico das rochas, que falam connosco como as castiças gentes do Porto.
Nesta obra, as janelas das casas deixam de ser elementos “apenas” decorativos: estão humanizadas com a sugestão de roupas penduradas e vasos de flores que lembram as pessoas que as habitam.
Sei por experiência própria do mau gosto associado à escolha das molduras para as obras de arte. Não sei se por força da sugestão dos vendedores, que mais do que servir os clientes, querem vender as mais caras, ou por pressão do dono que quer valorizar uma obra que deve valer por si própria. Há casos em que a moldura fica mais cara do que a peça que contém.
Para este quadro, fui eu que fiz a moldura: cortei e pintei a madeira com a mesma tinta que utilizei na tela. Utilizei o azul ultramarino (deep), misturado com um pouco de vermelho de cádmio, para o escurecer ao mesmo tempo que o torna menos frio.
É este Porto sentido que eu pretendi retratar. Sempre que passo por esta obra não resisto a dar-lhe uma nova mirada. E ela retribuiu como uma amiga fiel: sempre lhe descubro novos encantos!

sábado, 13 de novembro de 2010

d´Arte - Conversas na Galeria VII

[Postado por A.Tapadinhas]


Sé de Lisboa Autor António Tapadinhas
Óleo sobre tela 90x100cm

A IMPORTÂNCIA DA EMOÇÃO
Nas exposições o pintor é naturalmente procurado para explicar determinados pormenores das obras, ou para receber uma grande variedade de comentários, porventura elogios dos visitantes. Um dos mais comuns, para uma obra deste género, é: “Oh! está tão realista! Parece uma fotografia”. Estas palavras ditas como um elogio, limitam-se a constatar a capacidade técnica, académica, do artista.
No início das minhas apresentações em público, este “elogio” satisfazia o meu ego. Agora, prefiro ouvir um comentário sobre o ambiente, a sensação, a emoção que a obra causa. Quando ouço aquele elogio, apetece-me dizer:
-Por favor, emocione-se!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

d´Arte - Conversas na Galeria VI

[Postado por A.Tapadinhas]


Gigante Caído Acrílico sobre Tela 30x40cm
Autor António Tapadinhas

Os atenienses, apesar dos seus doze deuses principais, com receio de ferirem susceptibilidades, criaram um templo dedicado ao deus desconhecido. Se não serviu para mais nada, a sua existência ficou justificada com a obra-prima, “A um Deus Desconhecido”, de John Steinbeck.
Nesta novela telúrica, panteísta, Joseph Wayne, para cumprir o desejo do pai, vai viver para uma terra de vales imensos e de majestosas árvores. Depois da sua morte, Joseph acredita que a alma do pai se recolheu no imponente carvalho, junto da casa. A partir desse momento, a sua vida fica ligada umbilicalmente, de uma forma mística, ao destino da árvore. Como quase sempre acontece, é por uma boa razão, em nome de Deus, para o salvar do fogo do inferno, que seu irmão assassina o velho carvalho, cortando-lhe as raízes. O sentimento de tragédia, presente nas páginas da novela, começa a adensar-se com a seca que invade a terra e atinge o seu paroxismo quando Joseph se suicida. Com “o sangue a gorgolejar das artérias abertas”, ele diz: “Eu sou a terra e sou a chuva. A erva brotará de mim dentro em pouco.”
Num passeio pelos sapais do Tejo, perto de minha casa, logo a seguir às ruinas do Moinho da Charroqueira, encontrei um sinal das intensas chuvadas e fortes ventos: um pinheiro-manso (Pinus pinea) caído, suportado, de um lado, pelas suas raízes, e do outro, como que amparado por braços amigos, com as ramagens na terra. Lembrei-me de imediato da árvore assassinada em nome de Deus.
“E a tempestade recrudesceu e, com um enorme cachoar de águas, cobriu de sombra o mundo.”
Eu sou mais optimista.
Foi assim, cheio de cor, que vi o velho gigante…

Texto de António Tapadinhas