domingo, 25 de novembro de 2007

Poema em linha reta

[Postado por Érica Martinez]

Fernando Pessoa - Maravilhoso...

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

11 comentários:

Walmir Lima disse...

Pobres Príncipes da Perfeição! Aqui, do meu tarimbado ponto de vista, e, na minha mais pura insignificância, garanto que é muito melhor ser apenas um reles e vil ser humano, mas ter o agradável direito de errar... e seguir sendo... EU MESMO!

Jorge Lemos disse...

Idem...
Idem mesmo. Entre quedas e tropeços
repito Pessoa...
Vivo cercado dos muitos que não têm coragem de confessar seus pecados...
Vamos Walmir. seguindo a trilha nesta vida.

Anônimo disse...

Muito difícil mesmo confessar os próprios pecados.
Aí, deixamos que os outros façam isso pela gente.
E dê-lhe porrada!
E dê-lhe covardia!
E dê-lhe infâmia!

Plebéia - plebéia na vida.

Anônimo disse...

E dê-lhe cair!
E dê-lhe levantar!
E dê-lhe suspirar!
E sendo plebéia, tendo sempre o que aprender!

Unknown disse...

Linha reta...eu consegui andar até uma certa idade...depois descobrindo muito da vida...vieram as linhas tortas, curvas,contra curvas, atalhos, tropeços...mas tô aqui...com alguns pedaços colados,outros ainda em tratamento...mas não desistoooo, eu quero é ser feliz!!!

Udi disse...

magina se o Pessoa vivesse nessa nossa época onde o marketing pessoal é que importa!

Udi disse...

...que título ele daria a este poema?

e lembrei do Drummond, que tinha um anjo torto prá lhe dar sábios conselhos.

Flavio Ferrari disse...

Eu sou Príncipe, segundo o Jorge, mas um Príncipe da Imperfeição.
Confesso no atacado e deixo o varejo para alegrar os happy hour...
E Udi, a perfeição nem sempre é um bom marketing pessoal ...

Anne M. Moor disse...

E lá perfeição existe???????????

Flavio Ferrari disse...

Nem lá, nem aqui ...

Érica Martinez disse...

putz... tudo o que eu poderia dizer está MESMO nesse poema...