quarta-feira, 19 de março de 2008

Coxia

[Postado por Anônimo]


Se eu tenho uma dor, eu não a abandono, não fujo dela, quero alfabetizá-la, senão ela corrói as outras lembranças, adorna-se do que não é dela, apossa-se das alegrias que a antecederam e das alegrias que estavam por chegar.

Mas há dores analfabetas, arrivistas, que nos mostram o quanto a própria palavra pode ser fútil e desnecessária, o quanto os planos podem nos contrariar, o quanto somos inexplicavelmente insignificantes.
Fabrício Carpinejar
(foto: Ana Beatriz Occhioni)

29 comentários:

Walmir Lima disse...

Na insignificância do ser, é a eterna dicotomia entre a dor e a alegria, o que se sente e o que se escreve.
É o eterno drama de quem escreve: 'A Busca da Palavra Certa", como já dizia Jorge Lemos.

Jorge Lemos disse...

Minha Menina, Senhora dos trigais:
Fabricio, por certo, estaria no limiar da transposição, quando vê-se diante de um espelho e obtem a resposta para o seu (dele) momento.

"Quando o drama da dor se desenrola,
a pé da angustia, igual para assisti-lo,
convem ao senso de quem vê tranquilo
a mesma dor que outra dor assola."

Saudade sua. Não me vê makis?
bjs

Anne M. Moor disse...

Adoro Carpinejar! Que lindo texto nos trouxeste! Tão pungente! As dores analfabetas que nos povoam de quando em vez...
Beijo saudoso

Érica Martinez disse...

veio-me à cabeça uma frase que uma amiga vive a repetir:
"existirmos, a que será que se destina?"

Udi disse...

"...
pois quando tu me deste a rosa pequenina
vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
do menino infeliz não se nos ilumina
tampouco turva-se a lágrima nordestina
apenas a matéria vida era tão fina
e éramos olharmo-nos intacta retina
da Cajuína cristalina em Teresina
existirmos..."

Udi disse...

Angela, não que eu queira mudar de assunto mas é uma delícia repetir essa canção "decor e salteado". Já experimentou?
Ela tem uma forma circular (que os mestres não me leiam!) e a gente fica como numa mandala...
Angelaaaaa: fica triste nãããão! Manda as dores analfabetas por sedex que eu leio em voz alta prá elas.

Amélia disse...

Angela,

Nem toda a dor pode traduzir-se em palavras, nem ao certo em sentimentos concretos...

Para estas, cabe o desprezo de nossa poderosa mente dominante!!

disse...

Vai explodir viu Angela!
Abstrai,abstrai...E relaxa.
Olha o estilo(rs)!

Beijo ,engenheira das emoções.

PS:vai um chopinho?

Flavio Ferrari disse...

Rara oportunidade de discordar da Ti e da Lucia ao mesmo tempo ...
O texto traduz bem a natureza parasitária da dor.
E como toda erva daninha, deve ser extraída pela raíz.
A dor, em sí, é um sintoma.
Há que localizar a causa. Não a causa aparente; essa precisa ser desafiada para se chegar à essência do sentimento, ao mecanismo psíquico que nutre a dor.
Desprezar, ignorar, abstrair nos permite tocar a vida para frente equanto a dor, insidiosa, apossa-se de nossas alegrias.
Antes que seja tarde (o quanto antes) há que chorar muito, consumir a dor até que possamos encará-la de frente e decifrá-la.

Walmir Lima disse...

Bela análise e ponto de vista, Flávio. Dá mesmo no que pensar.
Se você não nasceu sábio, está ficando muito rapidamente.
E os cabelos brancos? Cadê?

Walmir Lima disse...

Gostei da definição da natureza insidiosa e parasitária da dor -
assim, exógena e extirpável, alimentar pra que?

Flavio Ferrari disse...

Em pesquisa construimos a seguinte hierarquia de informação:
dados
informação (dados organizados)
conhecimento (informação contextualizada)
sabedoria (conhecimento experimentado)
Com a idade estou ficando realmente mais sábio, porque tive muitas chances de desafiar meus conhecimentos.
Já os cabelos, esses caem antes de ficar brancos. E não há sabedoria que os retenha ...

Anne M. Moor disse...

Flávio, Flávio... Que análise mais porreta essa tua! Mas êta coisa difícil!!!!!! Consigo enxergar todas essas etapas no que passou, mas enquanto estamos no furacão do processo é mais difícil separar as coisas e olhar a dor no olho e acabar com ela!!!!

Jorge Lemos disse...

A causa?
Observem que o amor é sempre a raiz tânica e niilista da dor. Se a dor é uma simples seqüencia, ela sempre dificilmente percebida em seu embrião.
Buscamos formulas e nos perdura a ingenuidade de querer fazer abortar o que se manifesta aparente. Ao se matar a dor assassinamos inexoravelmente sua fonte, o amor.
É no processo da concepção amorosa é que que esta raiz criadora deu lugar à aparição do "fruto".

Estamos apaenas engatinhando, como seres, no estudo das inter-relações das raízes constituintes do tronco vital de cada amor.
Quero dizer, sem contestar nenhuma das propostas aqui alinhavadas, que sobre o amor há muito mais
literatura que ciência, muito mais fantasia que realidade.

Podem todos onjetar; mas perdura sempre a dúvida que não pertence ao amor em si, e sim quando se pensa no amor.

Que o Fabricio me perdoe mas fico com Pedro Salinas quando escreve:
"Perdóname por ir así buscándote
tan torpemente, dentro de ti
Perdoname el dolor, alguna vez.
Es que quiero sacar
de ti tu mejor tú.
Ese que no te viste y que yo veo,
nadador por tu fondo, preciosísimo."

Jorge Lemos disse...

objetar

Walmir Lima disse...

Tema interessantíssimo!
Exitem muitas formas de dor bem como existem muitas formas de Amor.
Tudo depende de qual coxia você está.

Walmir Lima disse...

Pelo seu ponto de vista, Jorge está certo, mas...
Nem sempre a fonte da dor é o Amor.

Walmir Lima disse...

(...isso ainda vai dar pano pra manga...)

Jorge Lemos disse...

Ainda cabe?

"Que alegria vivir
sintiéndose vivido.
Rendirse
a la gran certidumbre, oscuramente,
de que otro ser, fuera de mi muy lejos,
me está viviendo."

Walmir Lima disse...

Mas o que vejo e sinto é que Angela, Jorge e Fabrício Carpinejar estão, sim, na mesma coxia.

Jorge Lemos disse...

Walmir:
Há, presos por razões culturais, o alinhavar do "amor" sòmente às relações interpessoais. Errado; Amor é uma "seleção calitrópica", levada até as imperfeições mais evidentes ao adquirirem um "encanto" especial por algo (mesmo imaginário). A dor é uma conseqüencia ao partir do sentido de perda, e ela pode ser apenas imaginária (calitrópica).

Walmir Lima disse...

Quase sempre é.
E lidar com ela, também.

disse...

Gente MARAVILHOSA!
Estupefacta! Assim o Tico e o Teco operam com a capacidade máxima.
Flávio,
As coisas aqui dentro se processam assim:
Quanto mais se direciona ,se concentra e alimenta(com a energia , no caso alterada pela dor)) qualquer sentimento, este se agiganta , toma forma e toma conta.
Não se trata de fuga, mas de respirar, tomar uma distância razoável, pra sair do "ninho do furacão", e possibilitar a si próprio um olhar mais abrangente.
Estragégia e mecanismo de auto-preservação de uma escorpiana(rs).
Senão, tô frita (rs).
Beijo.
Jorge:
"Há, presos por razões culturais, o alinhavar do "amor" sòmente às relações interpessoais. Errado; Amor é uma "seleção calitrópica", levada até as imperfeições mais evidentes ao adquirirem um "encanto" especial por algo (mesmo imaginário). A dor é uma conseqüencia ao partir do sentido de perda, e ela pode ser apenas imaginária (calitrópica)"
Ainda bem que acredito que somos eternos...
Temos tempo... de aprender, de captar, de direcionar , de auto controlar e ser grata.
Não digo mais nada.Sei que vc sabe.
Minha eterna admiração.

disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Raquel Neves de Mello disse...

A dor nos humilha. Quem a sente, não consegue deixar de senti-la. Quem não a sente, tem horror de senti-la. Por isso meu respeito por aqueles que ousam encarar a dor e alfabetizá-la.

Anônimo disse...

Queridos,
Depois de ler...e pensar...e reler...e me encantar ...
Puro fascínio por vocês, meninas e rapazes, tão...tão próprios...

Entendo que a dor que a gente não consegue alfabetizar é aquela dor que me parece meio proibida nos dias de hoje, que faz com que nos sintamos meio marginais sabe? Aquela dor aguda, que se instala, às vezes sem motivo aparente ou ainda como se estivéssemos super -valorizando o motivo, mas que em muitas ocasiões é sim real, em outras uma possibilidade real e em outras ainda, "apenas" uma melancolia...aquela mesmo, aquela que não faz bonito num comercial de verão.
Acho importante hoje, que cada um, a seu modo, faça às pazes com ela. Não é questão de alimentá-la, mas sim de não desvalorizá-la.

Particularmente, por conta dela, tenho alfabetizado muito de mim.

Walmir: Com essas companhias, me instalo em qualquer coxia.
Jorge: Saudade. Apareço e te “vejo” sempre, mesmo sem convite sabia?
Anne: Eita que esses poetas do sul são bons mesmo não é? (E as de Pelotas então?).
Érica e Udi: Então tá, de novo: ” ...a que será que se destina? Pois quando tu me deste a rosa pequenina, vi que és um homem lindo e que se acaso a sina...”
Ti: Talvez...
Lúcia: Já conhece meu “estilo”.
Flávio: Completamente alfabetizado. Brilhante.
Raquel: É que sentir parece com conversar pra dentro.
Jorge, Walmir, Lúcia, Anne, Érica, Udi, Ti, Flávio e Raquel:
Um beijo em cada um!

Anne M. Moor disse...

Angela, vc é LINDA!!! "Sentir é conversar pra dentro." - Fantástico!

FELIZ PÁSCOA
Beijo ternurento

Walmir Lima disse...

Angela,
Espetacular esta tua frase.
Torço por que apareçam teus comentários; desde os primeiros, são sempre consistentes e profundos, mesmo quando espirituosos e mais descontraídos.
Gostaria que publicasse um dos teus textos, que sei que escreve, e muito.
Um beijo carinhoso de Páscoa.

Érica Martinez disse...

todo tipo de dor traz sempre grandes inspirações... é quando por conta disso, vamos ao fundo do poço e voltamos à luz, renovados... e isso não é gostar de sentir dor, é apenas o que é. quantas transformações vêm desses períodos na 'escuridão'? quantas novas visões, novos ângulos que não foram descobertos antes...
"o homem que nunca sofreu será sempre um menino", li certa vez...
é a "sabedoria de vida em receitar para si mesmo 'saúde' em pequenas doses"
sinta... renasça...
bjooooos!