terça-feira, 25 de março de 2008

REDACÇÃO: O AMBIENTE

[Postado por A.Tapadinhas]


Ilustração e crónica de António Tapadinhas
Tinta da china sobre papel 24x27cm

Crónica (publicada no jornal “O Rio”) de homenagem a Luís de Sttau Monteiro (1926-1993). Autor dramático, ficcionista e jornalista, que antes do 25 de Abril de 1974, para dizer coisas sérias a brincar, sem ser cortado pela censura, criou umas crónicas jornalísticas a que chamou “Redacções da Guidinha”. Agora, com acordo ortográfico, sei que é muito arriscado, mas espero que perdoem o Carlitos: não passa de uma criança...

REDACÇÃO: O AMBIENTE

O nosso professor mandou a gente fazer um trabalho de casa para comemorar o ambiente mas eu tenho um grande problema porque eu só posso fazer um trabalho de barraca porque a Câmara expulsou os meus pais da casa onde viviam por pouco tempo há / à (ponho das duas maneiras porque assim está certo de certeza e é por isso que eu gosto mais de falar porque ninguém percebe se estou a pôr h ou não) mais de trinta anos desde que uns soldados fardados da cor da caca do Farrusco quando come lesmas começaram a cantar Grândola e enquanto eles cantavam os outros todos gritavam patrões para a rua mas como os meus pais não eram patrões foram para a casa abandonada que era grande com tanta gente como a festa da Moita mas com quartos separados e por isso tenho de dizer ao professor que não posso fazer a redacção porque vivo há / à oito anos nesta barraca.
Em segundo lugar a minha barraca também não tem lá muito bom ambiente porque o meu pai sofre dos intestinos e o que vale é o cheiro da lixeira que está em frente da nossa barraca e como nunca tomamos banho quer dizer que vivemos num eco com sistema muito sensível aos cheiros em que qualquer alteração pode causar grandes prejuízos como a gente já sabe porque sempre que vamos ao supermercado toda a gente é muito amável a sair da fila para nos deixar passar que até o meu irmão mais velho anda a treinar nas bufas para ver se passa sem pagar e sem as máquinas começarem a apitar e mesmo que apitem os seguranças em vez de correrem atrás dele comecem a pensar que têm muito que fazer noutro sítio porque a gente somos pobres mas não temos vergonha pois a pior coisa que há (deste h tenho a certeza) é a pobreza envergonhada como disse aquela senhora gorda muito boazinha que trazia um lenço branco em frente do nariz por causa do ranho da constipação acho eu. Ela disse que se o reino dos céus pertencesse aos energúmenos que eu não sei o que são mas devem ser ricos porque ela disse que tinham lá um lugar cativo que eu sei o que significa porque o meu irmão é preso aos dias de semana e a gente vai lá vê-lo cativo aos Domingos para lhe entregar uns charros para ele vender aos guardas coitadinhos que têm de ter cuidado para não serem presos ou se calhar cativos porque é mais bonito.
Em antes do último lugar se a gente tivesse bom ambiente não tínhamos as baratas e outros animais domésticos como as ratazanas para nos entreter a atirar pedras o que é muito mais divertido do que ir para o Jardim Zoológico onde não se pode atirar pedradas à vontade porque aparece logo um guarda a ralhar e se a gente dá um ramo de urtigas ao hipopótamo aparece logo outro guarda só que a gente somos muitos e não há / à guardas para todos e por isso eu dei uma malagueta a um macaco muita grande com mais pelos que um bicho que começou a correr atrás duma macaca muita grande que ele conseguiu apanhar e começou a coçar-se em cima dela como o Farrusco na perna da minha avó que não pode fugir e tudo aos gritos que foi uma autêntica macacada.
Em último lugar se o professor me obrigar a fazer o trabalho vou saber a morada para escrever uma carta Ós Nações Unidas (O.N.U.) a protestar porque eu ouvi dizer que é proibido o trabalho infantil e até acho que se chama medofilia porque faz muito medo aos meninos e às meninas e ele fica tramado porque os americanos apontam as bombas onde querem e eu espero que acertem na mona do professor se ele não me dispensar de fazer a redacção.

Carlitos

26 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Caros amigos: Não sabia mesmo qual devia ser o primeiro post aqui no Prozac. Acho que arrisquei muito, porque não faço ideia se brasileiro vai entender este meu português... Não batam com muita força, tá?
António

Jorge Lemos disse...

Grito que sustento, lá, como cá,
sem idade e todas as idades, todos os porões e todas as barracas, todos corações e todas as verdades.

Manso e atraente chega Antonio Tapadinhas. Seus textos, que já os conheço bem, evidenciam nossos momentos.
Parabens irmão.

Jorge Lemos disse...

Viu como foi fácil atravessar o Atlantico. Veio e nos conquistou mais rapido que o Cabral.

Udi disse...

Havia de ser com humor! Melhor ainda se "para dizer coisas sérias a brincar" não é?
Bem-vindo!

(quanto ao "seu" português, devo confessar que fiquei um tanto confusa com o que se passou com a família do Carlitos após a revolução dos cravos... mas eu não sou muito o padrão quando se trata de entender rapidamente)

Anne M. Moor disse...

Chiiiii agora temos um Carlitos pra fazer pirraça!!! Temos o Ludovico lá do Arguta, a Tina aqui no Prozac e agora temos o Carlitos!! Bem vindo António / Carlitos... Tão bom te ter por aqui!
E teus desenhos são bárbaros que nem teus quadros..
Beijos

Suzana disse...

Bem vindo!
E que que bela chegada!
Que tal a travessia?
Navegar sempre é preciso!
bjs

Walmir Lima disse...

Caro amigo António,
Tenho o maior prazer e carinho por sua chegada oficial ao Prozac como 'poster'. E começou com belo estilo!
Ficamos todos agradecidos e honrados por sua companhia que só nos alegra.
Sei que posso falar em nome de todos. Já tinhamos orgulho do Prozac e ele, agora, ficou ainda mais enriquecido com sua presença.
Puxe sua cadeira e sente-se. O café está quentinho à espera do amigo.
Eu sempre disse que Cabral não errou o caminho. Ele não estava a caminho das Índias. Ele estava é atrás das "melhores índias".
Um forte abraço de Bloguenígena para Bloguenígena.

A.Tapadinhas disse...

Jorge Lemos: Irresistível o vosso convite, fidalga a lhaneza com que fui recebido.
Abraço fraterno.
António

A.Tapadinhas disse...

Udi: Olha, a culpa não é tua não! O Carlitos está sempre a pensar na brincadeira e depois não explica bem as coisas. Após o 25 de Abril, muitas casas que estavam desocupadas e outras que foram abandonadas, principalmente palacetes e casas senhoriais, foram ocupadas de maneira selvagem, sem regras, por famílias e grupos de famílias, sem casa. Este fenómeno, tornou-se mais evidente com os grupos de portugueses que foram obrigados a regressar das colónias, os chamados "retornados". Esta ocupação, em alguns casos, manteve-se até hoje, já legalmente reconhecida. A família do Carlitos foi uma daquelas que aproveitou a onda... Vou dizer ao Carlitos para lhe pedir desculpa!
Beijo.
António

A.Tapadinhas disse...

Anne: Não sei, não! Olha que o Carlitos pode voltar a atacar de novo... e ele, às vezes, é muito inconveniente (maneira suave de colocar as coisas:)!
Beijo.
António

A.Tapadinhas disse...

Suzana: ...mas viver também é preciso... pelo menos para nós, pobres mortais!
Beijo.
António

A.Tapadinhas disse...

Walmir: Estou em casa de amigos: fazem-me sentir tão bem como na minha! Estou ansiando por esse tal café tão especial... Acho que posso ser considerado perito em café, depois das lições que fui recebendo de muitas partes do mundo: fica com medalha de ouro a lição de sapiência do amigo Jorge Lemos...
Abraço de Centauro para Bloguenígena (o vice-versa também fica certo:)!
António

Anne M. Moor disse...

António:
O Carlitos nunca será inconveniente não...
Beijo suave :-)

Ernesto Dias Jr. disse...

Delicciosa estréia! (Não sei se os portugueses escrevem isso com um cê ou dois, mas, como se diz do lado de cá da caravela, o que abunda não prejudica).
Não só não há/à (idem) hipótese de não entendermos, como é muito agradável às (desse eu TAMBÉM tenho certeza)orelhas tupiniquins esse modo de falar.
Seja benvindo e não se preocupe. A depender dos seus escritos ficam aposentados os porretes.

Um grande e fraternal abraço.

Ernesto Dias Jr. disse...

Jorge:
Não foi Cabral que nos conquistou. Foi Carlota Joaquina com suas maneiras delicadas e exuberante beleza...

A.Tapadinhas disse...

Ernesto Dias Jr. Passei esta primeira prova, mas vou continuar debaixo de olho. Está montada a tragédia grega clássica com os seguintes actores: Ernesto, no papel do poderoso Dionísio I, de Siracusa, António, representa o cortesão Dâmocles e o Porrete tem o papel principal: representa a famosa Espada de Dâmocles... Jorge Lemos, julgo que não se importa de escrever a peça... Num drama como este destes precisamos de pelo menos uma deusa (Anne?), e virgem é que vai ser difícil mesmo: deste lado não abunda... Tem de procurar por aí! Carlota Joaquina está proibida porque julgo que tinha um buço maior que o bigode de Albert Einstein...
Abraço sem dramas ou tragédias...
António

Anne M. Moor disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA António, tu és sensacional!!!! Mas 'deusa' eu??? Nunca, nunquinha... Virgem, só se mudamos o conceito corriqueiro da palavra... :-)
Beijos sorridentes

Raquel Neves de Mello disse...

Deu preguiça. Vou ler seu texto inaugural depois. Por enquanto, SEJA MUITO BEM-VINDO!

Jorge Lemos disse...

Ermesto
Posso afirmar sobre a conquista
pois lá estava eu, testemunhado a chegada, como escriba da corte.

Antonio
Para escrever tal proposta consultarei Sófocles, cujo estilo seria menos passional, o que eu admiro.

A.Tapadinhas disse...

Anne: Assim como há pessoas que se julgam geniais e não passam de sapateiros a irem além do chinelo, há mulheres que nascem deusas e não sabem... Verdade, verdade que o percurso das virgens é o contrário... Virgindade é doença grave... mas tem vacina!
Beijo.
António

A.Tapadinhas disse...

Raquel: Para ler meu texto e ficar dentro do contexto, vai precisar de máscara: o título é enganador... Devia ser: "O mau ambiente". Agradeço suas boas-vindas.
António

A.Tapadinhas disse...

Jorge Lemos: Temo que a consulta a Sófocles, adie para as calendas gregas a sua entrada em cena: a reflexão sobre a justiça e a lei é inesgotável...
Abraço.
António

Anne M. Moor disse...

Agora beijos às gargalhadas!!! António hahahahahahahahahahahaha...

Thanks... :-)

disse...

Oi Antonio:
Bem vindo e parabéns pela estréia.Você enriquece o café.
Gosto muitíssimo de suas telas,e vejo que é inspirado nas letras também.
Vou aproveitar a ocasião e fazer uma consulta literária com você.
Esse texto sem pontuação que usou e que o mundo (e eu) conheceu através de Saramago, é comum em literatura portuguesa moderna?
Sou grande admiradora da literatura de Portugal.Berço de grandes e ilustres poetas a começar por Camões de quem sou fã ARDOROSA.Gosto muito da literatura de Eça também,Florbela, F Pessoa e a literatura provençal nascente , o trovadorismo me encanta.
Ainda vou fazer uma orgia literária na torre do Tombo (rs).
Estou a procura da obra de um poeta português , do qual recebi um poema uma vez apenas e não me recordo do nome.O poema era da década de setenta, ou oitenta.Moderno de total transgressão literária,foi escrito em uma lingua que mistura latim com portugues.Um idioma imaginário, e que (GRANDE ARTISTA), faz sentido e é compreensível.
Eu imagino que seja um poema admirado(pelo menos nos meios literários) em Portugal pela linguagem totalmente inusitada.
Me lembro que o poeta e´do século XX e me parece que muito conhecido e reconhecido pela qualidade de sua arte.
Será que com tão poucos dados, você consegue saber quem é?
Já andei pesquisando no Google, mas não encontrei.
Um beijo, desculpa o abuso e esperamos todos que seja um frequentador assíduo do Prozac.

A.Tapadinhas disse...

Lú: Esse seu nome está a pedir um cumprimento especial: em vez de Olá!, para si, Ólú!
Alguns autores portugueses, podem dar-se ao luxo de escrever sem pontuação. Pelas razões que sugeri, Luís de Sttau Monteiro, mas também Saramago e António Lobo Antunes, já utilizaram esta maneira de escrever. Na Torre do Tombo ainda há muito para descobrir. É natural que entre muita "palha", algumas pepitas possam aparecer... É preciso paciência e sorte! O que me disse sobre o poeta, não me fez tocar nenhuma campainha... No entanto, aposto num dos poetas do surrealismo (1945/50), que se caracterizavam pelo estilo sarcástico, e subversão das normas vigentes: talvez Alexandre O`Neil, talvez Mário Cesariny... Vou investigar: deixe comigo!
Obrigado pelas carinhosas boas-vindas.
Beijo.
António

Anônimo disse...

Adorei a estréia!
António, já bisbilhotava teus comentários nas postagens alheias, imagina agora nesta nossa "casa de amigos".
Carlitos, adoro meninos sabidinhos que nem você!
Bem-vindos António Carlitos e Carlitos António